O processo de amadurecimento da uva envolve uma
série coordenada de mudanças fisiológicas como troca de cor, textura, expressão
volátil e (mais importante) o acúmulo de açúcares. Desde que as bagas sigam
estes eventos altamente coordenados de maturação, um fruto com qualidades
organolépticas desejáveis desenvolver-se-á como produto final, aquele que é
adequado para consumo e para produção de vinho.
Por
outro lado, podem acontecer perturbações na cascata de eventos com vários
distúrbios no amadurecimento, cuja característica mais marcante é o murchamento
das bagas.
Existem
muitas causas que podem causar o murchamento da uva no vinhedo, como insolação,
desidratação, dessecamento do raquis e desordem na acumulação de açúcar. Devido
a similaridade da aparência dos frutos nestas desordens tem causado muita
confusão, mas elas podem facilmente ser distinguidas pela localização em que
ocorrem e/ou a composição das bagas murchas e pela condição do raquis.
Esses distúrbios do amadurecimento são considerados
de natureza fisiológica, decorrentes do metabolismo alterado e do rompimento
dos processos normais de maturação, comprometendo, eventualmente, os atributos
e a qualidade da fruta; o que precisamente lhes causa não é conhecido.
Os
frutos expostos diretamente ao sol em parte do dia ou todo o dia, especialmente
ao sol da tarde, podem ser danificados, devido a alta temperatura, radiação
ultravioleta ou a combinação das duas. A aparência física da queimadura do sol
depende da variedade e do estágio de desenvolvimento - uvas brancas e tintas
expostas após o início da acumulação de pigmentos (início da maturação)
desenvolvem coloração marrom, que depende da severidade da queimadura. Se a
queimadura ocorrer no início da maturação ou logo após, as variedades tintas
desenvolvem pouca cor, podendo permanecer rosadas. Queimaduras após o início da
maturação faz com que a uva tenha menos cor e com aparência brilhante. As uvas
queimadas pelo sol frequentemente racham, presumivelmente devido a rachaduras
no tecido da epiderme. Queimadura extrema causa o dessecamento total das bagas
transformando-as em passas, tanto nas tintas como nas brancas.
A queimadura do sol pode ser
evitada reduzindo a exposição do cacho diretamente ao sol, especialmente na
parte da tarde. Quando as folhas são removidas para expor os cachos a luz solar
indireta, deve-se remover as folhas do lado da fileira que recebe a luz da
manhã para reduzir a exposição direta dos raios solares da tarde. Esta prática
não elimina completamente o risco de queimadura do sol, porque o sol da manhã
também pode causar queimaduras.
A uva pode sofrer sérios danos
com temperaturas acima de 35 oC, neste caso a acumulação de
antocianinas é reduzida devido inibição da sua formação e pela degradação. Além
disso, as altas temperaturas podem causar queimaduras nas bagas ou podem causar
prejuízos que não serão visíveis antes da maturação.
Devemos ter em mente que as uvas
tintas, quando expostas ao sol, devido à cor preta da casca, absorvem mais
calor e no seu interior a temperatura pode subir até 12 oC acima da
temperatura ambiente. Por outro lado, uvas verdes, na pré-maturação não crescem
com altas temperaturas porque absorvem menos energia radiante. Por esta razão,
em regiões com altas temperaturas devemos direcionar as fileiras e/ou o manejo
da copa de modo que os frutos permaneçam na sombra durante as horas mais
quentes do dia e até cerca de uma hora após o pico da temperatura. E, nas
regiões de clima mais ameno devemos orientar as fileiras e/ou o manejo de modo
que recebam a maior quantidade de energia solar possível, porque nestas regiões
é muito importante a insolação para a maturação da uva.
2 - Desidratação da uva
A
desidratação natural da uva também é outro tipo de murchamento que pode ocorrer
no final da maturação. O sintoma é semelhante ao dessecamento do raquis, mas
neste caso o raquis permanece verde e sadio. Neste tipo de murchamento, as
bagas perdem peso devido a perda de água, e concentram açúcar. Tanto na
desidratação da uva como no dessecamento do raquis aumenta a respiração e
diminui o fluxo de seiva no floema (o sistema de transporte de açúcar da
planta), embora estudos posteriores demonstrem que em certas variedades as
bagas permanecem hidraulicamente conectadas a planta mãe e portanto, a perda de
água ocorre por desidratação.
O
dessecamento do raquis é um problema fisiológico complexo que ocorre na videira.
Os sintomas primários são manchas necróticas que se desenvolvem nos pedicelos e
outras partes do raquis durante a fase inicial da maturação da uva. Como
consequência, afeta o desenvolvimento das bagas por interromper o fluxo de
carboidratos e outros constituintes. As bagas afetadas podem estar confinadas
no setor apical do cacho ou bem distribuídas ao longo do raquis. As bagas
tornam-se flácidas e aguadas devido à interrupção do fluxo de fotoassimilados
para a maturação da uva, causado pela necrose do raquis ou de parte dele.
Resulta no murchamento das bagas durante a maturação, que produzirá um vinho de
baixa qualidade e reduz a produtividade. As bagas afetadas tem baixo teor de
açúcar e pouco sabor, alta acidez total, pelo aumento do ácido tartárico, alta
concentração de cálcio e baixa concentração de potássio. Os sintomas podem
aparecer a qualquer tempo após o início da maturação e inclui o aparecimento de
necrose no pedicelo, raquis ou pedúnculo que pode se espalhar ou ficar restrita
a uma pequena área. Inicialmente a baga tem aparência opaca e fraca textura.
Algumas variedades são mais suscetíveis que outras e a severidade da incidência
diferem de ano a ano.
Os cachos afetados pelo
dessecamento do raquis são identificados pela necrose (morte) do tecido do
raquis, com o murchamento das bagas localizadas nesta parte do cacho. Os primeiros sintomas desta anomalia
caracterizam-se pelo aparecimento de manchas necróticas no pedicelo e que
progride para os pedicelos laterais da estrutura do raquis. Geralmente, os
sintomas não são notados enquanto o raquis não for afetado. O dessecamento do
raquis pode afetar o cacho inteiro, somente as ramificações laterais ou parte
do cacho. Pode ocorrer em muitas variedades, mas o Cabernet Sauvignon é uma das
mais suscetíveis.
Não foi identificada uma causa
específica para a ocorrência desta fisiopatia, apesar de muitos anos de
pesquisa. Em alguns casos, a suscetibilidade das variedades foi correlacionada
a estrutura do xilema (vasos transportadores de água), especialmente a redução
da área distal do xilema em relação ao ponto de inserção do pedúnculo no ramo.
A incidência do dessecamento do raquis também foi correlacionada as varias
concentrações de nutrientes minerais, incluindo magnésio, cálcio, potássio e
nitrogênio. Trabalhos realizados no Chile por Ruiz e Moyano (1998) e na Austrália por Holzapfel e Coombe (1998) mostraram que o aminoácido putrescina
está associado com o dessecamento do raquis.
O dessecamento do raquis pode
aparecer muito cedo no desenvolvimento do fruto (próximo a floração) ou após o
início da maturação. Os termos "necrose da inflorescência" e
"necrose precoce do raquis" foram usados para descrever o
dessecamento do raquis próximo a floração. A composição dos frutos depende em
que período no seu desenvolvimento o raquis fica necrótico. Presumivelmente, a
necrose dificulta o transporte de água e açúcar para as bagas.
Consequentemente, se o raquis torna-se necrótico no início da maturação antes
que as bagas tenham acumulado açúcar, os frutos terão baixo teor de açúcar. Por
outro lado, se a necrose do raquis ocorrer após as bagas terem acumulado
apreciável quantidade de açúcar, o murchamento pode concentrar o açúcar.
Outra
desordem fisiológica que pode ocorrer durante o período de maturação da uva é a
chamada "murcha da uva"; que recentemente foi proposto o termo
"desordem na acumulação de açúcar". Esta desordem foi originalmente
descrita na cultivar Emperor, uva de mesa, em San Joaquin Valley, Califórnia e
foi caracterizada pela pouca cor e baixo teor de açúcar. A desordem na
acumulação de açúcar foi verificada em diversas variedades na Califórnia. Em geral, ela afeta somente um
pequeno número de cachos no vinhedo, embora em certas variedades e em certos
anos possa ser mais agressiva. Independentemente da variedade ou da
localização, os frutos afetados por esta fisiopatia tem baixo pH, bagas com
pouco peso e pouco açúcar. Quando foram feitas análises do raquis e de frutos
com esta anomalia foi verificado que tanto o raquis como os frutos tem maior
concentração de cálcio.
Monselise e Kost (1993) verificaram que os frutos atacados com a
desordem na acumulação de açúcar tinham significantes diferenças em muitos
compostos nitrogenados. Verificaram que nestes frutos tinha alta concentração
de amônia e isto sugere que ocorre interferência na transaminação (reação que
envolve a transferência do grupo amina [NH2] entre as moléculas) ou
o processo de assimilação de amônia.
O excesso de amônia é tóxico, e
pode aumentar a morte de células nas bagas com esta desordem. A redução da
fenilalanina nas uvas, com esta desordem, pode explicar a pouca coloração, a
fenilalanina é componente essencial para a biossíntese das antocianinas
(pigmentos na uva tinta). Da mesma forma, o aumento do aminoácido hidroxiprolina
pode indicar uma resposta ao estresse. Ainda não está bem claro que mudanças no
metabolismo leva a estas diferenças observadas nos outros compostos
nitrogenados, mas o fato é que estas diferenças existem e sugerem que tanto o
metabolismo do nitrogênio como dos carboidratos são afetados pela desordem de
acumulação de açúcar.
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