quinta-feira, 22 de agosto de 2019

COMO MAXIMIZAR O PROVEITO DA APLICAÇÃO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS


                  Devido ao alto custo das aplicações de defensivos que elevam o custo de produção, combustível e mão de obra, bem como o impacto ambiental, é importante obter o máximo de benefícios possíveis na aplicação de defensivos. Há várias coisas a considerar para melhorar a eficácia e a eficiência da pulverização.

                           Segundo Vargas e Gleber (2005), a tecnologia de aplicação não se resume ao ato de aplicar o produto, mas sim na interação entre vários fatores (cultura, praga, doença, planta invasora, produto, equipamento e ambiente) buscando um controle eficiente, com custo baixo e mínima contaminação ambiental. Ainda, segundo estes autores, os principais erros na aplicação de defensivos são:

      a)- Produto utilizado -Uso do produto inadequado; dose incorreta (sub ou superdosagem); momento ou estágio de aplicação incorreto; sobreposição de aplicação.

      b)- Misturas de tanque.

      c)- Equipamento desregulado; escorrimento e gotejamento.

      d)- Aplicação com condições climáticas inadequadas.

    e)- Água usada para mistura do agrotóxico no tanque de má qualidade (excesso de partículas em suspensão, pH incompatível com produtos, entre outros).

ESCOLHA DO PRODUTO DE APLICAÇÃO

                               Verifique diariamente as condições climáticas e a previsão do tempo para os próximos dias. Examine diariamente a cultura para verificar se há presença de doenças. Faça sempre tratamentos preventivos. Mas, se por acaso, ocorrer ataque de doença, aplique fungicidas o mais rápido possível após um período de infecção.

                               Durante os períodos chuvosos, os fungicidas sistêmicos têm melhor desempenho do que os fungicidas protetores ou de contato, pois são menos suscetíveis à lavagem pela chuva (embora, eventualmente, uma parte dos fungicidas sistêmicos também seja lavada pela chuva). Para obter a ação mais curativa (pós-infecção) de um fungicida sistêmico, aplique a maior taxa rotulada, uma vez que a atividade depende da concentração. O mesmo vale para a ação preventiva; geralmente, uma taxa mais alta (dentro da quantidade indicada) normalmente prolonga o período residual. Você pode precisar reaplicar fungicidas protetores após 15 a 20 mm de chuva. Os fungicidas sistêmicos estão protegidos da lavagem.

Adicione um adjuvante (surfactante, adesivo, penetrante), se recomendado no rótulo -  Alguns adjuvantes têm bloqueadores de luz ultravioleta (UV) que retardam a degradação dos pesticidas pelos raios UV. No entanto, muitos fungicidas modernos são formulados de tal maneira que os adjuvantes não são necessários. De fato, alguns rótulos de fungicidas proíbem o uso de adjuvantes devido ao aumento do potencial de fitotoxicidade. Em alguns casos, os adjuvantes têm um efeito supressor de doenças porque são prejudiciais aos patógenos; por exemplo os surfactantes fazem explodir os zoósporos de míldio.

Aplique fungicidas de proteção (contato) durante condições de sol e seco para permitir a secagem rápida das folhas -  De fato, parece que os fungicidas protetores se tornam melhor adsorvidos à superfície da planta e mais resistentes à chuva ao longo de vários dias após a aplicação. Qualquer formação de orvalho durante a noite ajudará a redistribuir o produto sobre a superfície da planta. Embora seja melhor ter aplicações de fungicidas protetores antes de uma chuva ou evento de orvalho pesado que poderia representar um período de infecção, evite aplicar fungicidas de proteção dentro de algumas horas antes de uma tempestade, pois você pode perder muito pela lavagem.

Aplique fungicidas sistêmicos sob condições úmidas e nebulosas quando o solo estiver úmido -  Dessa forma, a cutícula, ou a camada de cera que cobre a superfície da planta, será inchada e permitirá que os ingredientes ativos passem rapidamente. Sob condições prolongadas de calor e seca, a cutícula fica achatada e menos permeável; qualquer produto que não seja absorvido pode permanecer na superfície da planta e degradar devido à luz UV ou micróbios ou ser lavado pela chuva.

Se você não está tendo o controle que costumava obter com um produto em particular, considere a possibilidade de resistência a fungicidas - Isso poderia ser um problema com patógenos que têm alto potencial reprodutivo (oídio, míldio e ferrugem) que foram expostos a repetidas pulverizações de fungicidas sistêmicos, como as estrobilurinas (Azoxistrobina, Piraclostrobina, Cresomin-methyl, etc.), inibidores de esterol (Bitertanol, Propiconazole, Triadimefon, Triforine), benzimidazoles (Benomil, Carbendazin, Tiofanato metílico, Thiabendazole), fenilamidas (Ridomil) e dicarboximides (Iprodione). No entanto, você deve primeiro descartar o mau tempo e a cobertura de pulverização como possíveis causas do baixo desempenho do fungicida. As formas de reduzir o risco de resistência a fungicidas incluem fungicidas alternados ou misturas de tanque com diferentes modos de ação e evitando a pulverização de fungicidas sistêmicos com taxas abaixo do indicado no rótulo. Além disso, tente evitar a aplicação de fungicidas sistêmicos em colônias altamente esporuladas, à medida que aumenta a probabilidade de seleção de mutantes com densidades populacionais mais elevadas de patógenos. Neste caso, é preferível utilizar um fungicida de contato apropriado para matar os esporos.

Não aplique fungicidas sistêmicos em folhas mortas ou parcialmente mortas -  isto também se aplica às folhas nas quais as nervuras foram mortas. Produtos sistêmicos não podem se mover em tecidos mortos ou através das nervuras mortas e, portanto, não serão bem distribuídos na planta (folhas senescentes, folhas danificadas).

Para melhorar a cobertura de fungicidas na zona dos frutos, será útil a retirada oportuna de folhas e a remoção de rebentos na zona de frutos -  Além disso, o posicionamento da parte aérea ajudará a abrir a copa e melhorará a cobertura de fungicida, bem como a penetração da luz solar, o que ajudará a suprimir o desenvolvimento de fungos. No geral, podar e conduzir as videiras para ter um dossel mais exposto e aberto ajudará no controle da doença.

CONDIÇÕES CLIMÁTICAS


                      As condições ambientais no momento da aplicação são fundamentais, principalmente para garantir que o defensivo seja depositado no alvo desejado.

Umidade relativa do ar - A condição climática mais importante para o sucesso ou fracasso na deposição das gotas é a umidade relativa do ar, principalmente, quando trabalhamos com formulações diluídas em água. É através da maior ou menor porcentagem de umidade no ar, que a velocidade de evaporação de uma gota aquosa é reduzida ou aumentada, respectivamente, ou permitindo que se reduzam ou não os volumes de aplicação e influindo diretamente no rendimento operacional do equipamento.

                         Quanto mais baixa for à umidade do ar, mais rapidamente as gotas evaporam e com elas o produto químico aplicado. Gotas pequenas com menos de 100 micras que podem compor até 30% do volume total, dependendo do bico e da pressão utilizada, dificilmente atingirão o alvo. Por isso não são recomendadas aplicações de defensivos agrícolas quando a umidade do ar for próxima ou inferior a 50%.

VentoEvidentemente que, com ventos fortes, principalmente superiores a 10 km/hora, a qualidade da aplicação também fica prejudicada em função do excessivo carregamento lateral que as gotas vão sofrer, resultando no que é designado como deriva. Em consequência, pode-se não atingir o alvo em dose suficiente.

                              Pulverizar fungicidas quando há uma leve brisa, como 2 a 6 km/h no nível do bico, é realmente melhor do que a pulverização durante condições tranquilas -  porque mesmo sem vento pode haver correntes de ar causadas pelo movimento do equipamento de pulverização que carrega o fungicida fora do alvo. Um pouco de vento ajudará a deposição; você saberá para onde o produto está indo e poderá ajustar sua configuração de pulverização de acordo com a situação. Se as condições não forem boas para a pulverização, é melhor esperar um dia extra para melhores condições do que perder a maior parte do produto.

               Outra consideração importante do momento é a hora do dia, particularmente no que se refere às relações de temperatura e umidade. Tanto a temperatura quanto a umidade podem afetar a deriva dos fungicidas. Quanto maior a temperatura e menor a umidade relativa, maior a oportunidade de evaporação ou volatilização do fungicida. Isso pode ser evitado pela pulverização no início da manhã, quando as temperaturas são mais baixas e a umidade relativa é maior. Além do risco reduzido de deriva da volatilização de fungicidas no início da manhã, a deriva também pode ser minimizada nas horas da manhã devido a ventos mais calmos e menor turbulência convectiva do ar.

Temperatura - O início da manhã, o final da tarde e à noite são períodos onde a umidade relativa é maior e a temperatura é menor, sendo considerados mais adequados para as aplicações. Do ponto de vista prático, é possível e recomendável a utilização de gotas finas nestes horários. Porém, é necessário um monitoramento das condições ambientais com o passar das horas do dia, pois no caso de haver um aumento considerável da temperatura (com redução da umidade relativa), o padrão de gotas precisa ser mudado (passando-se a usar gotas maiores). Neste caso, o volume de aplicação deve ser aumentado, para não haver efeito negativo na cobertura dos alvos.

LuzA luminosidade necessita estar presente no momento da aplicação ou algumas horas após, principalmente para os herbicidas. Normalmente, aplicações realizadas com esses produtos, em dias sombrios ou à noite, as quais se segue uma chuva, são de baixa eficiência. Dessa forma, aplicações sem luminosidade adequada só seriam recomendadas na certeza da ocorrência da mesma nas próximas horas.

Chuva e orvalho - Chuva e orvalho são fatores climáticos que também requerem atenção no momento do planejamento das aplicações. No caso da chuva, recomenda-se bastante cuidado na observação do intervalo mínimo de tempo entre a aplicação e a ocorrência da chuva, visando permitir o tempo mínimo para a ação dos produtos. No caso do orvalho, a presença de água nas folhas quando das aplicações noturnas (madrugada) e/ou no início da manhã pode causar interferência na técnica de aplicação. Neste caso, problemas podem ocorrer tanto pela diluição do produto como por um eventual escorrimento, em virtude do excesso de água e da ação do espalhante contido na calda. Entretanto, existem situações, dependendo da técnica empregada e do tipo de defensivo utilizado, em que a ação do orvalho pode até ser benéfica. A aplicação noturna deve considerar, ainda, a existência de limitações técnicas relativas aos próprios defensivos, no que se refere às questões de eficiência e velocidade de absorção nas situações de ausência de luz ou baixas temperaturas.

Bibliografia

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sexta-feira, 5 de abril de 2019

PODRIDÃO ÁCIDA DA UVA


               Nos últimos anos verificou-se maior incidência da podridão ácida na uva e isto deve estar associado à mudança climática, onde há maior ocorrência de chuvas no período da maturação da uva.

                A podridão ácida é uma doença atípica, visto que os agentes causadores não são considerados patogênicos primários e não existe um agente etiológico específico. Esta doença se desenvolve sempre após o início da maturação, e está associada simultaneamente a condições fisiológicas favoráveis, determinadas pelo clima e pelas práticas culturais e devido às características de sensibilidade da variedade. Pois os agentes causadores desta doença são diversos fungos como Aspergillus niger, Alternaria tenuis, Cladosporium herbareum, Rhizopus arrhizus, Penicillium spp entre outros;  bactérias, como a Acetobacter e leveduras.

                Guerzoni e Marchetti (1987) verificaram que as populações de leveduras presentes em uvas afetadas por podridão ácida diferem da flora que coloniza a superfície das uvas sadias quer em quantidade ou na variedade de espécies.

                Trabalhos desenvolvidos por Barata et al., (2009), afirmam que o desenvolvimento da podridão ácida na uva é dependente da presença da mosca Drosophila sp. Afirmam também que a Drosophila sp. induz o aumento da população bacteriana das uvas danificadas pela podridão ácida.

                De acordo com vários autores para o desenvolvimento da podridão ácida é necessário à ocorrência de condições favoráveis como:

                - Existência de feridas na película das bagas devido à ação de agentes bióticos: o estado fitossanitário da videira reveste-se de grande importância, uma vez que outros inimigos da cultura, como os agentes do míldio, do oídio, as traças da uva, cochonilhas, vespas, pássaros, etc., podem danificar seriamente a casca das bagas.

                - Utilização de variedades cuja uva tem casca fina, ou cachos muito compactos e com bagas grandes. Neste caso verifica-se o aparecimento de microfissuras, que constituem locais privilegiados para a instalação da flora microbiana. Além disso, a sensibilidade aumenta com a maturação.

                - Presença de vetores no vinhedo, como os insetos, principalmente a Drosophila, efetuam posturas nas lesões existentes nas bagas, sendo vetores de leveduras, bactérias, nematoides e fungos.

                - Acontecimentos climáticos, como a ocorrência de períodos chuvosos no período da maturação, após um período de seca, provoca um aumento repentino do tamanho das bagas, com a consequente rachadura da casca, o granizo bem como, temperaturas e umidade elevada próximo da maturação e especialmente durante a noite, são favoráveis ao desenvolvimento da doença.

                - Práticas culturais que favoreçam o aumento do vigor das videiras, provocando um aumento da densidade da folhagem, o sistema de condução utilizado, a fertilização, o porta-enxerto, enfim,  práticas que permitam aumentar teores de umidade relativa no interior da videira devem ser evitadas.

                A podridão ácida manifesta-se após o início da maturação, em particular na fase avançada da maturação, onde ocorre o aumento do teor de açúcar favorecendo o desenvolvimento desta doença. O ataque inicia-se na proximidade da zona de inserção peduncular ou ao nível das feridas existentes nas bagas, principalmente devido a bicadas de pássaros, ação de insetos, agentes patogênicos, granizo e micro/macro fissuras resultantes das variações do tamanho das bagas, associados à alternância de períodos de estresse hídrico com outros de abundância de água. Esta doença é responsável por alterações típicas e facilmente reconhecidas, caracterizadas pela coloração castanha e desagregação da polpa.

                Após o inicio da infecção a podridão ácida alastra-se rapidamente à totalidade da baga, fazendo com que a casca se torne frágil até a ocorrência da ruptura da baga. Como consequência, ocorre escorrimento de suco. Esta situação favorece as contaminações secundárias por escorrimento ou por contato entre bagas podres e bagas sadias, sobretudo nos cachos compactos. Por último, as bagas ficam ocas/secas em relação ao seu conteúdo visto que este é utilizado na sua totalidade devido à completa fermentação e desintegração da polpa restando apenas à casca seca e mumificada. Outra característica da podridão ácida é o odor a ácido acético ou vinagre, por vezes bastaste forte, que emana dos cachos e das videiras parcialmente atacadas.

                Quando a podridão ácida ainda está na fase inicial, é difícil de diagnosticar os sintomas podendo ser confundidos com outras doenças, principalmente com Botrytis. A partir da mudança de cor, este fungo, a Botrytis, desenvolve coloração castanha nas bagas, adquirindo coloração cinza escura, no entanto, a alteração das bagas limita-se aos tecidos situados imediatamente abaixo da casca, não se verificando a desintegração total da polpa como acontece na podridão ácida.

MEIOS DE PROTEÇÃO

                   Os meios de proteção devem contemplar medidas que evitem tudo o que possa causar feridas nas bagas, recorrendo a todos os meios que possibilitem uma redução do vigor da vegetação e evitem uma folhagem muito densa, de forma a reduzir a umidade ao nível dos cachos. Deste modo, torna-se importante uma boa proteção fitossanitária relativa a inimigos que possam danificar a casca das bagas, sobretudo a partir da mudança de cor, como seja o míldio, o oídio e a traça da uva. É importante também ter cuidado com as fertilizações nitrogenadas e a condução e poda das videiras (efetuando inclusive podas em verde que favoreçam uma boa ventilação da zona dos cachos) com a escolha dos porta-enxertos (não muito vigoroso, devem estar adaptados ao solo e apresentar sistemas radiculares profundos) e das variedades (evitando, se possível, as mais sensíveis), de forma a evitar aglomeração de cachos e folhagem, conseguindo cachos de tamanho médio. A manutenção de cobertura vegetal sobre o solo também poderá contribuir para a limitação da doença, através da redução do vigor da videira.

                A aplicação de meios de proteção química contra a podridão ácida é muito limitada. Segundo Laurent (1998), nenhum dos fungicidas existentes para combater a podridão cinzenta tem qualquer ação sobre os agentes da podridão ácida, embora Paños (1998) refira que as dicarboximidas (Captan, Orthocide, Sumilex, Sialex) permitam ligeiras diminuições da doença. Segundo Bisiach et al. (1986), a atividade destes fungicidas (ineficazes contra leveduras e bactérias) na redução da podridão ácida, resulta na eliminação da Botrytis cinérea, que causa feridas nas bagas. O mesmo papel é desempenhado pelos fungicidas antimíldio e anti-oídio, relativamente, à redução das feridas causadas por estas doenças. Para, além disso, não existem substâncias ativas eficazes que se possam usar contra os agentes da podridão ácida (bactérias e leveduras). Bisiach et al. (1986), referem que os fungicidas do grupo das ftalimidas (Folpet, Folpan) apresentam uma grande toxicidade as leveduras, permitindo uma boa redução da podridão ácida, mesmo em baixas concentrações, no entanto, a sua utilização depende dos resíduos que deixa no mosto, que é bastante elevada.

                Hall et al (2017) num experimento que associaram a aplicação de inseticida (zeta-cipermetrina) e antimicóticos (peróxido de hidrogênio e metabissulfito de potássio a 0,5 a 1,0%) obtiveram bons resultados. Quando aplicaram somente o inseticida verificaram que as parcelas tratadas tinham cerca de 40% menos podridão do que as não tratadas e quando associaram o inseticida com um antimicótico, o resultado foi que as parcelas tratadas tinham cerca de 70 a 80% menos podridão do que as não tratadas. Estes tratamentos foram iniciados quando a uva continha 15 ºBrix.



BIBLIOGRAFIA

Barata, A., Santos., Malfeito-Ferreira, M. e Loureiro, V. - Fruit flies (Drosophila sp.) are essential to the development of sour rot in grapes. 2º International Symposium "Micro Safety Wine" - 19, 20 Novembro, Martina França, Itália. 2009.



Bisiach, M., Minervini, G. e Zerbetto, F. - Possible integrated of grapevine sour rot. Vitis 25: 118-128. 1986.





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Laurent, J.C. (1998). La pourriture acide. Progrès Agricole et Viticole. 115 (1): 7-9. 1998.



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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

MURCHAMENTO DA UVA


               O processo de amadurecimento da uva envolve uma série coordenada de mudanças fisiológicas como troca de cor, textura, expressão volátil e (mais importante) o acúmulo de açúcares. Desde que as bagas sigam estes eventos altamente coordenados de maturação, um fruto com qualidades organolépticas desejáveis desenvolver-se-á como produto final, aquele que é adequado para consumo e para produção de vinho.

                Por outro lado, podem acontecer perturbações na cascata de eventos com vários distúrbios no amadurecimento, cuja característica mais marcante é o murchamento das bagas.

                Existem muitas causas que podem causar o murchamento da uva no vinhedo, como insolação, desidratação, dessecamento do raquis e desordem na acumulação de açúcar. Devido a similaridade da aparência dos frutos nestas desordens tem causado muita confusão, mas elas podem facilmente ser distinguidas pela localização em que ocorrem e/ou a composição das bagas murchas e pela condição do raquis.

                               Esses distúrbios do amadurecimento são considerados de natureza fisiológica, decorrentes do metabolismo alterado e do rompimento dos processos normais de maturação, comprometendo, eventualmente, os atributos e a qualidade da fruta; o que precisamente lhes causa não é conhecido.


                   Os frutos expostos diretamente ao sol em parte do dia ou todo o dia, especialmente ao sol da tarde, podem ser danificados, devido a alta temperatura, radiação ultravioleta ou a combinação das duas. A aparência física da queimadura do sol depende da variedade e do estágio de desenvolvimento - uvas brancas e tintas expostas após o início da acumulação de pigmentos (início da maturação) desenvolvem coloração marrom, que depende da severidade da queimadura. Se a queimadura ocorrer no início da maturação ou logo após, as variedades tintas desenvolvem pouca cor, podendo permanecer rosadas. Queimaduras após o início da maturação faz com que a uva tenha menos cor e com aparência brilhante. As uvas queimadas pelo sol frequentemente racham, presumivelmente devido a rachaduras no tecido da epiderme. Queimadura extrema causa o dessecamento total das bagas transformando-as em passas, tanto nas tintas como nas brancas.

                A queimadura do sol pode ser evitada reduzindo a exposição do cacho diretamente ao sol, especialmente na parte da tarde. Quando as folhas são removidas para expor os cachos a luz solar indireta, deve-se remover as folhas do lado da fileira que recebe a luz da manhã para reduzir a exposição direta dos raios solares da tarde. Esta prática não elimina completamente o risco de queimadura do sol, porque o sol da manhã também pode causar queimaduras.

                A uva pode sofrer sérios danos com temperaturas acima de 35 oC, neste caso a acumulação de antocianinas é reduzida devido inibição da sua formação e pela degradação. Além disso, as altas temperaturas podem causar queimaduras nas bagas ou podem causar prejuízos que não serão visíveis antes da maturação.

                Devemos ter em mente que as uvas tintas, quando expostas ao sol, devido à cor preta da casca, absorvem mais calor e no seu interior a temperatura pode subir até 12 oC acima da temperatura ambiente. Por outro lado, uvas verdes, na pré-maturação não crescem com altas temperaturas porque absorvem menos energia radiante. Por esta razão, em regiões com altas temperaturas devemos direcionar as fileiras e/ou o manejo da copa de modo que os frutos permaneçam na sombra durante as horas mais quentes do dia e até cerca de uma hora após o pico da temperatura. E, nas regiões de clima mais ameno devemos orientar as fileiras e/ou o manejo de modo que recebam a maior quantidade de energia solar possível, porque nestas regiões é muito importante a insolação para a maturação da uva.

2 - Desidratação da uva

                   A desidratação natural da uva também é outro tipo de murchamento que pode ocorrer no final da maturação. O sintoma é semelhante ao dessecamento do raquis, mas neste caso o raquis permanece verde e sadio. Neste tipo de murchamento, as bagas perdem peso devido a perda de água, e concentram açúcar. Tanto na desidratação da uva como no dessecamento do raquis aumenta a respiração e diminui o fluxo de seiva no floema (o sistema de transporte de açúcar da planta), embora estudos posteriores demonstrem que em certas variedades as bagas permanecem hidraulicamente conectadas a planta mãe e portanto, a perda de água ocorre por desidratação.


                   O dessecamento do raquis é um problema fisiológico complexo que ocorre na videira. Os sintomas primários são manchas necróticas que se desenvolvem nos pedicelos e outras partes do raquis durante a fase inicial da maturação da uva. Como consequência, afeta o desenvolvimento das bagas por interromper o fluxo de carboidratos e outros constituintes. As bagas afetadas podem estar confinadas no setor apical do cacho ou bem distribuídas ao longo do raquis. As bagas tornam-se flácidas e aguadas devido à interrupção do fluxo de fotoassimilados para a maturação da uva, causado pela necrose do raquis ou de parte dele. Resulta no murchamento das bagas durante a maturação, que produzirá um vinho de baixa qualidade e reduz a produtividade. As bagas afetadas tem baixo teor de açúcar e pouco sabor, alta acidez total, pelo aumento do ácido tartárico, alta concentração de cálcio e baixa concentração de potássio. Os sintomas podem aparecer a qualquer tempo após o início da maturação e inclui o aparecimento de necrose no pedicelo, raquis ou pedúnculo que pode se espalhar ou ficar restrita a uma pequena área. Inicialmente a baga tem aparência opaca e fraca textura. Algumas variedades são mais suscetíveis que outras e a severidade da incidência diferem de ano a ano.

                Os cachos afetados pelo dessecamento do raquis são identificados pela necrose (morte) do tecido do raquis, com o murchamento das bagas localizadas nesta parte do cacho.  Os primeiros sintomas desta anomalia caracterizam-se pelo aparecimento de manchas necróticas no pedicelo e que progride para os pedicelos laterais da estrutura do raquis. Geralmente, os sintomas não são notados enquanto o raquis não for afetado. O dessecamento do raquis pode afetar o cacho inteiro, somente as ramificações laterais ou parte do cacho. Pode ocorrer em muitas variedades, mas o Cabernet Sauvignon é uma das mais suscetíveis.

                Não foi identificada uma causa específica para a ocorrência desta fisiopatia, apesar de muitos anos de pesquisa. Em alguns casos, a suscetibilidade das variedades foi correlacionada a estrutura do xilema (vasos transportadores de água), especialmente a redução da área distal do xilema em relação ao ponto de inserção do pedúnculo no ramo. A incidência do dessecamento do raquis também foi correlacionada as varias concentrações de nutrientes minerais, incluindo magnésio, cálcio, potássio e nitrogênio. Trabalhos realizados no Chile por Ruiz e Moyano (1998) e na Austrália por Holzapfel e Coombe (1998) mostraram que o aminoácido putrescina está associado com o dessecamento do raquis.

                O dessecamento do raquis pode aparecer muito cedo no desenvolvimento do fruto (próximo a floração) ou após o início da maturação. Os termos "necrose da inflorescência" e "necrose precoce do raquis" foram usados para descrever o dessecamento do raquis próximo a floração. A composição dos frutos depende em que período no seu desenvolvimento o raquis fica necrótico. Presumivelmente, a necrose dificulta o transporte de água e açúcar para as bagas. Consequentemente, se o raquis torna-se necrótico no início da maturação antes que as bagas tenham acumulado açúcar, os frutos terão baixo teor de açúcar. Por outro lado, se a necrose do raquis ocorrer após as bagas terem acumulado apreciável quantidade de açúcar, o murchamento pode concentrar o açúcar.


                               Outra desordem fisiológica que pode ocorrer durante o período de maturação da uva é a chamada "murcha da uva"; que recentemente foi proposto o termo "desordem na acumulação de açúcar". Esta desordem foi originalmente descrita na cultivar Emperor, uva de mesa, em San Joaquin Valley, Califórnia e foi caracterizada pela pouca cor e baixo teor de açúcar. A desordem na acumulação de açúcar foi verificada em diversas variedades  na Califórnia. Em geral, ela afeta somente um pequeno número de cachos no vinhedo, embora em certas variedades e em certos anos possa ser mais agressiva. Independentemente da variedade ou da localização, os frutos afetados por esta fisiopatia tem baixo pH, bagas com pouco peso e pouco açúcar. Quando foram feitas análises do raquis e de frutos com esta anomalia foi verificado que tanto o raquis como os frutos tem maior concentração de cálcio.

                Monselise e Kost (1993) verificaram que os frutos atacados com a desordem na acumulação de açúcar tinham significantes diferenças em muitos compostos nitrogenados. Verificaram que nestes frutos tinha alta concentração de amônia e isto sugere que ocorre interferência na transaminação (reação que envolve a transferência do grupo amina [NH2] entre as moléculas) ou o processo de assimilação de amônia.      

                O excesso de amônia é tóxico, e pode aumentar a morte de células nas bagas com esta desordem. A redução da fenilalanina nas uvas, com esta desordem, pode explicar a pouca coloração, a fenilalanina é componente essencial para a biossíntese das antocianinas (pigmentos na uva tinta). Da mesma forma, o aumento do aminoácido hidroxiprolina pode indicar uma resposta ao estresse. Ainda não está bem claro que mudanças no metabolismo leva a estas diferenças observadas nos outros compostos nitrogenados, mas o fato é que estas diferenças existem e sugerem que tanto o metabolismo do nitrogênio como dos carboidratos são afetados pela desordem de acumulação de açúcar.



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