segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

MURCHAMENTO DA UVA


               O processo de amadurecimento da uva envolve uma série coordenada de mudanças fisiológicas como troca de cor, textura, expressão volátil e (mais importante) o acúmulo de açúcares. Desde que as bagas sigam estes eventos altamente coordenados de maturação, um fruto com qualidades organolépticas desejáveis desenvolver-se-á como produto final, aquele que é adequado para consumo e para produção de vinho.

                Por outro lado, podem acontecer perturbações na cascata de eventos com vários distúrbios no amadurecimento, cuja característica mais marcante é o murchamento das bagas.

                Existem muitas causas que podem causar o murchamento da uva no vinhedo, como insolação, desidratação, dessecamento do raquis e desordem na acumulação de açúcar. Devido a similaridade da aparência dos frutos nestas desordens tem causado muita confusão, mas elas podem facilmente ser distinguidas pela localização em que ocorrem e/ou a composição das bagas murchas e pela condição do raquis.

                               Esses distúrbios do amadurecimento são considerados de natureza fisiológica, decorrentes do metabolismo alterado e do rompimento dos processos normais de maturação, comprometendo, eventualmente, os atributos e a qualidade da fruta; o que precisamente lhes causa não é conhecido.


                   Os frutos expostos diretamente ao sol em parte do dia ou todo o dia, especialmente ao sol da tarde, podem ser danificados, devido a alta temperatura, radiação ultravioleta ou a combinação das duas. A aparência física da queimadura do sol depende da variedade e do estágio de desenvolvimento - uvas brancas e tintas expostas após o início da acumulação de pigmentos (início da maturação) desenvolvem coloração marrom, que depende da severidade da queimadura. Se a queimadura ocorrer no início da maturação ou logo após, as variedades tintas desenvolvem pouca cor, podendo permanecer rosadas. Queimaduras após o início da maturação faz com que a uva tenha menos cor e com aparência brilhante. As uvas queimadas pelo sol frequentemente racham, presumivelmente devido a rachaduras no tecido da epiderme. Queimadura extrema causa o dessecamento total das bagas transformando-as em passas, tanto nas tintas como nas brancas.

                A queimadura do sol pode ser evitada reduzindo a exposição do cacho diretamente ao sol, especialmente na parte da tarde. Quando as folhas são removidas para expor os cachos a luz solar indireta, deve-se remover as folhas do lado da fileira que recebe a luz da manhã para reduzir a exposição direta dos raios solares da tarde. Esta prática não elimina completamente o risco de queimadura do sol, porque o sol da manhã também pode causar queimaduras.

                A uva pode sofrer sérios danos com temperaturas acima de 35 oC, neste caso a acumulação de antocianinas é reduzida devido inibição da sua formação e pela degradação. Além disso, as altas temperaturas podem causar queimaduras nas bagas ou podem causar prejuízos que não serão visíveis antes da maturação.

                Devemos ter em mente que as uvas tintas, quando expostas ao sol, devido à cor preta da casca, absorvem mais calor e no seu interior a temperatura pode subir até 12 oC acima da temperatura ambiente. Por outro lado, uvas verdes, na pré-maturação não crescem com altas temperaturas porque absorvem menos energia radiante. Por esta razão, em regiões com altas temperaturas devemos direcionar as fileiras e/ou o manejo da copa de modo que os frutos permaneçam na sombra durante as horas mais quentes do dia e até cerca de uma hora após o pico da temperatura. E, nas regiões de clima mais ameno devemos orientar as fileiras e/ou o manejo de modo que recebam a maior quantidade de energia solar possível, porque nestas regiões é muito importante a insolação para a maturação da uva.

2 - Desidratação da uva

                   A desidratação natural da uva também é outro tipo de murchamento que pode ocorrer no final da maturação. O sintoma é semelhante ao dessecamento do raquis, mas neste caso o raquis permanece verde e sadio. Neste tipo de murchamento, as bagas perdem peso devido a perda de água, e concentram açúcar. Tanto na desidratação da uva como no dessecamento do raquis aumenta a respiração e diminui o fluxo de seiva no floema (o sistema de transporte de açúcar da planta), embora estudos posteriores demonstrem que em certas variedades as bagas permanecem hidraulicamente conectadas a planta mãe e portanto, a perda de água ocorre por desidratação.


                   O dessecamento do raquis é um problema fisiológico complexo que ocorre na videira. Os sintomas primários são manchas necróticas que se desenvolvem nos pedicelos e outras partes do raquis durante a fase inicial da maturação da uva. Como consequência, afeta o desenvolvimento das bagas por interromper o fluxo de carboidratos e outros constituintes. As bagas afetadas podem estar confinadas no setor apical do cacho ou bem distribuídas ao longo do raquis. As bagas tornam-se flácidas e aguadas devido à interrupção do fluxo de fotoassimilados para a maturação da uva, causado pela necrose do raquis ou de parte dele. Resulta no murchamento das bagas durante a maturação, que produzirá um vinho de baixa qualidade e reduz a produtividade. As bagas afetadas tem baixo teor de açúcar e pouco sabor, alta acidez total, pelo aumento do ácido tartárico, alta concentração de cálcio e baixa concentração de potássio. Os sintomas podem aparecer a qualquer tempo após o início da maturação e inclui o aparecimento de necrose no pedicelo, raquis ou pedúnculo que pode se espalhar ou ficar restrita a uma pequena área. Inicialmente a baga tem aparência opaca e fraca textura. Algumas variedades são mais suscetíveis que outras e a severidade da incidência diferem de ano a ano.

                Os cachos afetados pelo dessecamento do raquis são identificados pela necrose (morte) do tecido do raquis, com o murchamento das bagas localizadas nesta parte do cacho.  Os primeiros sintomas desta anomalia caracterizam-se pelo aparecimento de manchas necróticas no pedicelo e que progride para os pedicelos laterais da estrutura do raquis. Geralmente, os sintomas não são notados enquanto o raquis não for afetado. O dessecamento do raquis pode afetar o cacho inteiro, somente as ramificações laterais ou parte do cacho. Pode ocorrer em muitas variedades, mas o Cabernet Sauvignon é uma das mais suscetíveis.

                Não foi identificada uma causa específica para a ocorrência desta fisiopatia, apesar de muitos anos de pesquisa. Em alguns casos, a suscetibilidade das variedades foi correlacionada a estrutura do xilema (vasos transportadores de água), especialmente a redução da área distal do xilema em relação ao ponto de inserção do pedúnculo no ramo. A incidência do dessecamento do raquis também foi correlacionada as varias concentrações de nutrientes minerais, incluindo magnésio, cálcio, potássio e nitrogênio. Trabalhos realizados no Chile por Ruiz e Moyano (1998) e na Austrália por Holzapfel e Coombe (1998) mostraram que o aminoácido putrescina está associado com o dessecamento do raquis.

                O dessecamento do raquis pode aparecer muito cedo no desenvolvimento do fruto (próximo a floração) ou após o início da maturação. Os termos "necrose da inflorescência" e "necrose precoce do raquis" foram usados para descrever o dessecamento do raquis próximo a floração. A composição dos frutos depende em que período no seu desenvolvimento o raquis fica necrótico. Presumivelmente, a necrose dificulta o transporte de água e açúcar para as bagas. Consequentemente, se o raquis torna-se necrótico no início da maturação antes que as bagas tenham acumulado açúcar, os frutos terão baixo teor de açúcar. Por outro lado, se a necrose do raquis ocorrer após as bagas terem acumulado apreciável quantidade de açúcar, o murchamento pode concentrar o açúcar.


                               Outra desordem fisiológica que pode ocorrer durante o período de maturação da uva é a chamada "murcha da uva"; que recentemente foi proposto o termo "desordem na acumulação de açúcar". Esta desordem foi originalmente descrita na cultivar Emperor, uva de mesa, em San Joaquin Valley, Califórnia e foi caracterizada pela pouca cor e baixo teor de açúcar. A desordem na acumulação de açúcar foi verificada em diversas variedades  na Califórnia. Em geral, ela afeta somente um pequeno número de cachos no vinhedo, embora em certas variedades e em certos anos possa ser mais agressiva. Independentemente da variedade ou da localização, os frutos afetados por esta fisiopatia tem baixo pH, bagas com pouco peso e pouco açúcar. Quando foram feitas análises do raquis e de frutos com esta anomalia foi verificado que tanto o raquis como os frutos tem maior concentração de cálcio.

                Monselise e Kost (1993) verificaram que os frutos atacados com a desordem na acumulação de açúcar tinham significantes diferenças em muitos compostos nitrogenados. Verificaram que nestes frutos tinha alta concentração de amônia e isto sugere que ocorre interferência na transaminação (reação que envolve a transferência do grupo amina [NH2] entre as moléculas) ou o processo de assimilação de amônia.      

                O excesso de amônia é tóxico, e pode aumentar a morte de células nas bagas com esta desordem. A redução da fenilalanina nas uvas, com esta desordem, pode explicar a pouca coloração, a fenilalanina é componente essencial para a biossíntese das antocianinas (pigmentos na uva tinta). Da mesma forma, o aumento do aminoácido hidroxiprolina pode indicar uma resposta ao estresse. Ainda não está bem claro que mudanças no metabolismo leva a estas diferenças observadas nos outros compostos nitrogenados, mas o fato é que estas diferenças existem e sugerem que tanto o metabolismo do nitrogênio como dos carboidratos são afetados pela desordem de acumulação de açúcar.



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